6 de março de 2008

O Sangue dos Mártires

Foto: autor desconhecido

A Perseguição de Nero (64)

Texto escrito por: Tácito, Annales, XV.44

Mas os empenhos humanos, as liberdades do imperador e os sacrifícios aos deuses não conseguiram apagar o escândalo e silenciar os rumores de ter sido ordenado (1) o incêndio de Roma. Para livrar-se de suspeitas, Nero culpou e castigo (2), com supremos refinamentos de crueldade, uma casta de homens detestados por suas abominações (3) e vulgarmente chamados cristãos. Cristo, do qual seu nome deriva, foi executado por disposição de Pôncio Pilatos durante o reinado de Tibério. Reprimida durante algum tempo, essa superstição perniciosa voltou a brotar, já não apenas na Judéia, seu berço, mas na própria Roma, receptáculo de quanto sórdido e degradante produz qualquer recanto da terra. Tudo, em Roma, encontra seguidores. De início, pois, foram presos todos os que se confessavam cristãos. Depois, uma multidão enorme foi condenada não por causa do incêndio, mas acusada de ser o opróbrio do gênero humano. Acrescente-se que, uma vez condenados à morte, eles se tornavam objetos de diversão. Alguns, costurados em peles de animais, expiravam despedaçados por cachorros. Outros morriam crucificados. Outros ainda eram transformados em tochas vivas para iluminar a noite. Para esses festejos, Nero abriu de par em par seus jardins, organizando espetáculos circenses em que ele mesmo aparecia misturado com o populacho ou, vestido de cocheiro, conduzia sua carruagem. Suscitou-se, assim, um sentimento de comiseração até para com homens cujos delitos mereciam castigos exemplares, pois se pressentia que eram sacrificados não para o bem público, mas para satisfação da crueldade de um individuo.

1. O grande incêndio de Roma se deu no verão de 64 a.D.
2. Subdidit: usou de fraudulenta substituição ou sugestão falsa. Tácito não cria na culpa deles.
3. Infanticídio, canibalismo, incesto etc., fora acusações levantadas contra os cristãos. “Somos acusados de três coisas: ateísmo, comermos nossos próprios filhos e haver entre nós relações sexuais entre filhos e mães”. Atenágoras. Legatio pro Christianis, III, cf. p. 17.

OBS: Tácito, autor do texto acima, não era cristão.

Em outro texto, Tácito escreve sobre uma dama da alta sociedade chamada Pômponia Grecina que se converteu ao cristianismo. Ele afirma no texto que a vida desta dama passou a se transcorrer em uma profunda melancolia como se ela tivesse de luto. Na sociedade romana, onde havia inúmeras festas e rituais em nome da alegria (bebedeiras, relações sexuais em grupo, etc, etc) era de se esperar que os cristãos, por se recusarem a participar de tais orgias, serem considerados tristes e melancólicos. É interessante notar também que chamavam os cristãos de canibais por eles fazerem um estranho ritual (Santa Ceia) em que comiam e bebiam a carne e o sangue de um certo Jesus Cristo.

Lucas 22:14-20
“Chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa, e com ele os apóstolos. E disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa, antes do meu sofrimento. Pois vos digo que nunca mais a comerei, até que ela se cumpra no reino de Deus. E, tomando um cálice, havendo dado graças, disse: Recebei e reparti entre vós; pois vos digo que, de agora em diante, não mais beberei do fruto da videira, até que venha o reino de Deus. E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós”.

1 Coríntios 11:23-26
“Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha”.

Não tenho o texto e a referência, ouvi o caso de um amigo. Havia, entre as várias condenações “com supremos refinamentos de crueldade” (como muito bem nos diz Tácito no texto acima), uma em que o cristão era colocado numa espécie de arena com um boi bravo. O animal atacava e chifrava a pessoa até a morte. Uma certa mulher cristã, ao ser chifrada, caiu no chão, se levantou e começou a arrumar o cabelo. As pessoas que assistiam à cena acharam esse gesto estranho, até mesmo ridículo, pois ela ia, certamente, morrer, e de uma maneira bem brutal, por que então se preocupar se o cabelo estava arrumado ou não? Perguntaram-lhe então por que ela estava arrumando o cabelo. Se ela queria, no meio da dificuldade, negar a Cristo com uma certa dignidade e ser absolvida da acusação e assim se salvar. Ela ajeitou o cabelo e respondeu: “Não quero entrar na presença do meu Senhor desarrumada”.

A fé dos mártires cristãos é realmente impressionante. Ao mesmo tempo em que nos fortifica, nos provoca uma certa vergonha também pela nossa fé de pigmeu (pelo menos é assim que eu me sinto).

Tertuliano afirmou que: “O sangue dos mártires é a sementeira da Igreja”.

Quanto mais se matavam os cristãos, mais pessoas se convertiam impressionadas com tamanha fé e coragem, conseqüentemente, a igreja crescia. Graças a Deus pela vida dos mártires.
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